As penas e os gozos são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar circunscrito ou fechado existe especialmente destinado a uma ou outra coisa. Quanto aos encarnados, esses são mais ou menos felizes ou desgraçados, conforme é mais ou menos adiantado o mundo em que habitam.
Assim, o inferno e o paraíso não existem, tais como o homem os imagina. São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto, os Espíritos de uma mesma ordem se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.
A localização absoluta das regiões das penas e das recompensas só na imaginação do homem existe. Provém da sua tendência a materializar e circunscrever as coisas, cuja essência infinita não lhe é possível compreender.
O que o homem chama purgatório é igualmente uma alegoria, devendo-se entender como tal, não um lugar determinado, porém, o estado dos Espíritos imperfeitos que se acham em expiação até alcançarem a purificação completa, que os levará à categoria dos Espíritos bem-aventurados. Operando-se essa purificação por meio das diversas encarnações, o purgatório consiste nas provas da vida corporal.
O Evangelho não faz menção alguma do purgatório, que só foi admitido pela Igreja no ano de 593. É incontestavelmente um dogma mais racional e mais conforme com a justiça de Deus que o inferno, porque estabelece penas menos rigorosas e resgatáveis para as faltas de gravidade mediana.
O princípio do purgatório é, pois, fundado na eqüidade, porque, comparado à justiça humana, é a detenção temporária a par da condenação perpétua. Sem o purgatório, só há para as almas duas alternativas extremas: a suprema felicidade ou o eterno suplício. E nessa hipótese, que seria das almas somente culpadas de ligeiras faltas? Ou compartilhariam da felicidade dos eleitos, ainda quando imperfeitas, ou sofreriam o castigo dos maiores criminosos, ainda quando não houvessem feito muito mal, o que não seria nem justo, nem racional.
Jamais foram determinados e definidos claramente o lugar do purgatório e a natureza das penas aí sofridas.
A Doutrina dos Espíritos estava reservado o preenchimento dessa lacuna, explicando-nos a causa das terrenas misérias da vida, das quais só a pluralidade das existências poderia mostrar-nos a justiça.
O Espiritismo não nega, pois, antes confirma, a penalidade futura. O que ele destrói é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis.
Seja qual for a duração do castigo, na vida espiritual ou na Terra, onde quer que se verifique, tem sempre um termo, próximo ou remoto. Na realidade não há para o Espírito mais que duas alternativas, a saber: – punição temporária e proporcional à culpa, e recompensa graduada segundo o mérito.
Trechos extraídos: do capítulo V do Livro O Céu e o Inferno
Ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo e das questões 1011 a 1013 de
O Livro dos Espíritos, ambos de Allan Kardec.