Qual a melhor religião? Sempre que o homem se preocupou em responder a esta questão teve, como consequência, a propagação da violência, do conflito e do preconceito. Ao longo da história, inúmeras guerras foram deflagradas onde cada partido proclamava sua religião como a melhor e, através da força, desejava estabelecer a sua predominância.
Nestes embates, que iniciam no campo filosófico e das ideias, rapidamente transformam-se em agressões verbais e físicas, divisões, guerras fratricidas, em que se perdem milhares de vidas, em nome daqueles que se acham os ‘eleitos de Deus’. Sociedades inteiras são dizimadas, nações se separam, famílias se dividem por causa de disputas religiosas. Ainda hoje o fanatismo religioso é causador de centenas de conflitos no mundo todo. Até em pequenos grupos sociais, membros de determinada religião não aceitam o convívio com os de outra crença, ainda que ambos se digam ‘cristãos’. Nesses casos o que fala mais alto é o orgulho e o desejo de se achar dono da verdade.
O preconceito e o desejo de dominar foram responsáveis pelo assassinato de milhares na fatídica “Noite de São Bartolomeu”, na França. O genocídio cruel do povo judeu nos campos de concentração é outro fato incontestável da violência que o irracionalismo provoca. Ainda nos dias de hoje, do oriente ao ocidente ocorrem fatos semelhantes
Conta a história1 que quando faziam a “Campanha do Quilo” para a assistência social da sociedade que participava, um grupo saia percorrendo bairros, deixando nas casas um saco de papel para que os moradores ali colocassem donativos. Muitas vezes, batendo à porta de seguidores de outras crenças, pois não era perguntada qual religião a pessoa seguia, alguns os recebiam com duras palavras: “Não fazemos caridade para outras instituições”. Todavia, sempre encontravam aqueles que, mesmo pertencentes a credos diferentes, entendiam o universalismo do Amor. O responsável pelo templo de uma comunidade, espontaneamente ia ao encontro do grupo quando buscavam donativos para o abrigo de menores órfãos e carentes. Inteligente e culto, possuidor de mente aberta, exorava aos fiéis de sua igreja: “Hoje o saco da caridade todinho pertence às crianças mantidas pelos nossos irmãos de outra crença. E, por esta razão, vocês devem dar em dobro.” O apelo sempre era atendido pelos paroquianos.
Viver separado, desunido por motivos doutrinários ou dogmáticos é algo ilógico, irracional. Allan Kardec, o eminente filósofo e pedagogo francês, codificador da Doutrina Espírita, preocupado com o separatismo religioso, solicitou através da pergunta 842 de O Livro dos Espíritos2 aos Espíritos superiores a resposta a esta dúvida:
842 – Considerando-se que todas as doutrinas têm a pretensão de ser a única expressão da verdade, por que sinais podemos reconhecer a que tem o direito de se apresentar como tal?
Será aquela que mais fizer homens de bem e menos hipócritas, isto é, homens que pratiquem a lei de amor e caridade na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Por este sinal reconhecereis que uma doutrina é boa, visto que toda a criatura que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer linha de separação entre os filhos de Deus só pode ser falsa e perniciosa.
Não devemos mais repetir os erros do passado separando-nos por rótulos, embalagens, títulos ou raças. Jesus é o símbolo do amor, da união, da cooperação, da compreensão, da aceitação.
Em O Evangelho segundo o Espiritismo3 há uma proposta que tem por objetivo unir todos os credos: “Fora da caridade não há salvação”. Toda a filosofia que norteia o indivíduo, motivando-o para a caridade e ao amor ao próximo, mostrando-lhe que fazer ao outro o que gostaria que lhe fosse feito é o caminho da felicidade, é a verdadeira, a melhor religião.
Observado a origem da palavra religião que, segundo o pensador Lactâncio (240-232 d.C.), vem do latim religare que significa religar, sendo, então um laço de piedade que serve para religar os seres humanos a Deus, reatando os laços com Ele, e isso, efetivamente, só se dará através das atitudes no bem.
Encontramos em Obras Póstuma4 um resumo de Kardec sobre o Espiritismo:
“O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai ter as bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, e a vida futura. Mas não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre os seus adeptos, nenhum tomou o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote. (…)
É-se espírita pelo fato de simpatizar com os princípios da doutrina e por conformar com esses princípios o proceder. Trata-se de uma opinião como qualquer outra, que todos têm o direito de professar, como têm o de ser judeus, católicos, protestantes, simonistas, voltairiano, cartesiano, deísta e, até, materialista.
O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; reclama-a para os seus adeptos, do mesmo modo que para toda a gente. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade.
Da liberdade de consciência decorre o direito de livre exame em matéria de fé. O Espiritismo combate a fé cega, porque ela impõe ao homem que abdique da própria razão: considera sem raiz toda a fé imposta, donde o inscrever entre suas máximas: Não é fé inabalável, senão a que pode encarar de frente a razão em todas as épocas da Humanidade. (…)
Não cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas; não se dirige aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que, insatisfeitos com o que lhes dá, pedem alguma coisa melhor.”
Luis Roberto Scholl
1TAMASSIA, Mario B. A mãe que desistiu do céu. Araras, SP: IDE, 1988. p. 77-78.
2KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Ed. Especial. Rio de Janeiro:FEB, 2007
3Idem. O Evangelho segundo o Espiritismo. 127 ed. Rio de Janeiro:FEB, 2007. cap. XV
4Idem. Obras Póstumas. 25 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1990. p. 260-261.