Desde os tempos mais remotos há a ideia da existência de um ser voltado eternamente para o mal. Independente de sua origem, segundo essa visão, ele teria como única e exclusiva missão desviar os homens do caminho do bem, encaminhando-os para os vícios e as ações perniciosas, aumentando assim o seu “staff do mal”.
Ao longo da história, ele recebeu inúmeras denominações e, ainda hoje, é utilizado por algumas doutrinas para amedrontar os incautos, mantendo-os sob seus domínios através do medo. Hoje, grande parte da humanidade já desenvolveu o raciocínio lógico e o bom senso e não aceita mais o poder exercido pelo medo através da simbólica figura do mal.
Na etimologia dos nomes a ele atribuídos poderemos entender o que simbolizava especialmente aos antepassados:
– DIABO: do grego, DIA = separação em duas ou mais direções; BO = lançar; desunir, separar – ou seja, opositor, adversário.
– SATÃ ou SATANÁS: hebraico – opositor, adversário, antagonista.
Ambas as denominações não servem para identificar uma personalidade ou individualidade mas, quando citados, identificam aquilo que pode ser o oposto ao Espírito, ou seja, a matéria. Justifica-se a preocupação com esse opositor quando o indivíduo ainda é muito apegado à matéria, materialista, o que dificulta o processo evolutivo moral do Espírito – objetivo de toda a criatura. Somente nesta condição é que o adversário (diabo, satanás – a matéria) é problema. Para o indivíduo espiritualizado, onde não há mais apego material, isso não traz mais dificuldades.
– TENTADOR: o que tenta, põe à prova.
Novamente não é uma entidade, mas as situações que fatalmente teremos que enfrentar em cada reencarnação, onde seremos testados em nossas convicções morais.
– LÚCIFER: do latim, portador da luz.
Parece uma incoerência o portador da luz ser o senhor das trevas ao mesmo tempo. Hoje a ciência contemporânea comprova que a matéria tem luz porque ela nada mais é do que energia (“luz”) condensada. Novamente o seu significado nos remete ao apego à matéria e a dependência das sensações prazerosas que ela proporciona, podendo atrasar a evolução individual.
– DEMÔNIO: do grego, DAIMON, gênio.
Nesse caso, sim, se refere a uma individualidade, a um Espírito desencarnado, mas não necessariamente mau. Daimon ou gênio também identifica um bom Espírito: todos nós temos o nosso daimon ou bom gênio na figura do nosso anjo da guarda ou Espírito protetor, que nos estimula a seguirmos o caminho do bem. Sócrates, o pai da filosofia, conversava constantemente com o seu daimon (gênio), seu Espírito protetor e afirmava que este o seguia pela vida e também após a morte, no mundo dos Espíritos, até a nova existência na matéria, necessária à evolução.
Allan Kardec, o grande pensador francês, codificador da Doutrina Espírita, ao estudar a doutrina dos anjos decaídos (A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, capítulo XI – item 42) expõe a etimologia da palavra ANJO (do grego = ággelus) que significa enviado, mensageiro e, na acepção geral, simplesmente, ESPÍRITO. Na concepção dogmática, certos anjos que teriam sido criados perfeitos se rebelaram contra o Criador sendo então chefiados por uma grande entidade para lutarem contra o Reino de Deus. São histórias, lendas místicas que não podem ser lidas com a letra que mata, mas com o espírito que vivifica. Há incoerências prementes como o fato de Deus ter criado seres com privilégios em relação a outros (contraditório com a bondade e justiça suprema); e mais, mesmo privilegiados, se rebelam contra o Criador ? Teoria ilógica!
Em outro estudo, Kardec analisa o pensamento distorcido da existência do Satanás como um ser eternamente voltado para o mal (Idem, cap. III, item 12); se o mal estivesse nas atribuições de um ser especial, das duas uma: ou este ser seria igual a Deus e, consequentemente, tão poderoso e de toda a eternidade como Ele; ou, segunda hipótese, lhe seria inferior.
No primeiro caso haveria duas potências rivais, que se digladiariam incessantemente, cada um procurando atrapalhar o outro – hipótese claramente incoerente com a própria organização do Universo que, desta forma, seria o caos. No segundo caso este ser, sendo inferior a Deus, seria seu subordinado; não existindo por toda a eternidade, teria um começo; se teve um começo, foi criado por Deus; se Deus tivesse criado o Espírito do mal para tentar os homens, esta afirmativa seria a negação da bondade Divina e da Sua sabedoria. Ideias inaceitáveis para o raciocínio humano.
Há ainda a suposição de que o Espírito do mal não foi criado mau, mas se tornou assim por sua própria escolha. Como castigo, Deus o condenou a permanecer para sempre na maldade. Nesta visão, Deus seria tão cruel e injusto como o próprio Satã, pois não lhe teria dado oportunidade para retomar o caminho do bem.
Na Doutrina Espírita entendemos que o mal não é um ser ou uma entidade que procura nos conduzir ao erro. O mal é praticado por aqueles que ainda não compreendem, nem vivenciam, as leis divinas de amor e caridade; são seres imperfeitos que vivem ora na matéria como homens, ora no mundo espiritual como Espíritos.
Kardec afirma (ibidem, cap. III, item 7) que o mal é a ausência do bem, assim como o frio é a ausência do calor; assim como o frio não é um fluido especial, também o mal não é um atributo distinto, um é o negativo do outro; onde não existe o bem, forçosamente existe o mal. Se houvesse um ser predestinado ao mal, o homem não poderia evitá-lo, mas, tendo o homem a causa do mal nele mesmo e simultaneamente seu livre-arbítrio e as leis divinas como guia infalível, ele o evitará sempre que quiser.
A medida que o ser deseja evoluir e se melhorar, estuda as suas paixões inferiores e seus vícios, procurando eliminá-los de sua vida; estimula-se a conquistar virtudes e qualidades ficando, assim, a cada reencarnação, mais distante do primitivismo e mais próximo de Deus.
Concluindo, é inconsistente a teoria de que existam Espíritos eternamente voltados para o mal, mas sim, seres em desenvolvimento que se comprazem no mal por ainda não compreenderem a lei de amor. É somente questão de tempo e vontade para que todos alcancemos a perfeição relativa à qual, fatalisticamente, estamos destinados.
Luis Roberto Scholl