Havia um preto velho que era escravo. Trata-se, sem dúvida, da mais degradante condição social a que se possa submeter alguém. O infeliz não detém a posse de si mesmo. Há um senhor que pode dispor de seu trabalho, de suas horas e até de seu corpo. Não obstante ele vivia relativamente feliz, porquanto era alguém profundamente ligado a Deus.

         Diariamente, em plena madrugada, dirigia-se à gleba de terra sob seus cuidados e, antes de iniciar o trabalho do dia, tirava o chapéu, erguia o olhar para o céu, levava a mão direita ao peito e dizia humilde:

         "Sinhô! Preto véio ta aqui!".

         Apenas isso. Ele era analfabeto e não conhecia muitas palavras, mas fazia o essencial: exercitava o sentimento, com o impulso do filho de Deus que não quer iniciar seu dia sem pedir a bênção do pai.

         O que importa, portanto, na prece, não é sua duração, a repetição, a sofisticação das expressões. Fundamental, indispensável é a presença do sentimento.