Cego de nascença – A Gênese, capítulo XIV, item 24

         24. - Ao passar, viu Jesus um homem que era cego desde que nascera; - e seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Mestre, foi pecado desse homem, ou dos que o puseram no mundo, que deu causa a que ele nascesse cego? - Jesus lhes respondeu:

         Não é por pecado dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele se Patenteiem as obras do poder de Deus. É preciso que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; vem depois a noite, na qual ninguém pode fazer obras. – Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.

         Tendo dito isso, cuspiu no chão e, havendo feito lama com a sua saliva, ungiu com essa lama os olhos do cego - e lhe disse: Vai lavar-te na piscina de Siloé, que significa Enviado. Ele foi, lavou-se e voltou vendo claro.

         Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir esmolas diziam: Não é este o que estava assentado e pedia esmola? Uns respondiam: É ele; outros diziam: Não, é um que se parece com ele. O homem, porém, lhes dizia: Sou eu mesmo. - Perguntaram-lhe então: Como se te abriram os olhos? - Ele respondeu: Aquele homem que se chama Jesus fez um pouco de lama e passou nos meus olhos, dizendo: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo. - Disseram--lhe: Onde está ele? Respondeu o homem: Não sei.

         Levaram então aos fariseus o homem que estivera cego. - Ora, fora num dia de sábado que Jesus fizera aquela lama e lhe abrira os olhos.

         Também os fariseus o interrogaram para saber como recobrara a vista. Ele lhes disse: Ele me pôs lama nos olhos, eu me lavei e vejo. - Ao que alguns fariseus retrucaram: Esse homem não é enviado de Deus, pois que não guarda o sábado.

         Outros, porém, diziam: Como poderia um homem mau fazer prodígios tais? Havia, a propósito, dissensão entre eles.

         Disseram de novo ao que fora cego: E tu, que dizes desse homem que te abriu os olhos? Ele respondeu: Digo que é um profeta. - Mas, os judeus não acreditaram que aquele homem houvesse estado cego e que houvesse recobrado a vista, enquanto não fizeram vir o pai e a mãe dele - e os interrogaram assim: É este o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora vê? - O pai e a mãe responderam: Sabemos que esse é nosso filho e que nasceu cego; - não sabemos, porém, como agora vê e tampouco sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele já tem idade, que responda por si mesmo.

         Seu pai e sua mãe falavam desse modo, porque temiam os judeus, visto que estes já haviam resolvido em comum que quem quer que reconhecesse a Jesus como sendo o Cristo seria expulso da sinagoga. - Foi o que obrigou o pai e a mãe do rapaz a responderem: Ele já tem idade; interrogai-o.

         Chamaram segunda vez o homem que estivera cego e lhe disseram: Glorifica a Deus; sabemos que esse homem é um pecador. Ele lhes respondeu: Se é um pecador, não sei, tudo o que sei é que estava cego e agora vejo. - Tornaram a perguntar-lhe: Que te fez ele e como te abriu os olhos? - Respondeu o homem: Já vo-lo disse e bem o ouvistes; por que quereis ouvi-lo segunda vez? Será que queirais tornar-vos seus discípulos? - Ao que eles o carregaram de injúrias e lhe disseram: Sê tu seu discípulo; quanto a nós, somos discípulos de Moisés. - Sabemos que Deus falou a Moisés, ao passo que este não sabemos donde saiu.

         O homem lhes respondeu: É de espantar que não saibais donde ele é e que ele me tenha aberto os olhos. - Ora, sabemos que Deus não exalça os pecadores; mas, àquele que o honre e faça a sua vontade, a esse Deus exalça. - Desde que o mundo existe, jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença.

         - Se esse homem não fosse um enviado de Deus, nada poderia fazer de tudo o que tem feito. Disseram-lhe os fariseus: Tu és todo pecado, desde o ventre de tua mãe, e queres ensinar-nos a nós? E o expulsaram. (S. João, cap. IX, vv. 1 a 34.)


         25. - Esta narrativa, tão simples e singela, traz em si evidente o cunho da veracidade. Nada aí há de fantasista, nem de maravilhoso. É uma cena da vida real apanhada em flagrante. A linguagem do cego é exatamente a desses homens simples, nos quais o bom-senso supre a falta de saber e que retrucam com bonomia aos argumentos de seus adversários, expendendo razões a que não faltam justeza, nem oportunidade. O tom dos fariseus, por outro lado, é o dos orgulhosos que nada admitem acima de suas inteligências e que se enchem de indignação à só idéia de que um homem do povo lhes possa fazer observações. Afora a cor local dos nomes, dir-se-ia ser do nosso tempo o fato.

         Ser expulso da sinagoga eqüivalia a ser posto fora da Igreja. Era uma espécie de excomunhão. Os espíritas, cuja doutrina é a do Cristo de acordo com o progresso das luzes atuais, são tratados como os judeus que reconheciam em Jesus o Messias. Excomungando-os, a Igreja os põe fora de seu seio, como fizeram os escribas e os fariseus com os seguidores do Cristo. Assim, aí está um homem que é expulso porque não pode admitir seja um possesso do demônio aquele que o curara e porque rende graças a Deus pela sua cura!

         Não é o que fazem com os espíritas? Obter dos Espíritos salutares conselhos, a reconciliação com Deus e com o bem, curas, tudo isso é obra do diabo e sobre os que isso conseguem lança-se anátema. Não se têm visto padres declararem, do alto do púlpito, que é melhor uma pessoa conservar-se incrédula do que recobrar a fé por meio do Espiritismo? Não há os que dizem a doentes que estes não deviam ter procurado curar-se com os espíritas que possuem esse dom, porque esse dom é satânico? Não há os que pregam que os necessitados não devem aceitar o pão que os espíritas distribuem, por ser do diabo esse pão? Que outra coisa diziam ou faziam os padres judeus e os fariseus? Aliás, fomos avisados de que tudo hoje tem que se passar como ao tempo do Cristo.

         A pergunta dos discípulos: Foi algum pecado deste homem que deucausa a que ele nascesse cego? revela que eles tinham a intuição de uma existência anterior, pois, do contrário, ela careceria de sentido, visto que um pecado somente pode ser causa de uma enfermidade de nascença, se cometido antes do nascimento, portanto, numa existência anterior. Se Jesus considerasse falsa semelhante idéia, ter-lhes-ia dito: «Como houvera este homem podido pecar antes de ter nascido?» Em vez disso, porém, diz que aquele homem estava cego, não por ter pecado, mas para que nele se patenteasse o poder de Deus, isto é, para que servisse de instrumento a uma manifestação do poder de Deus. Se não era uma expiação do passado, era uma provação apropriada ao progresso daquele Espírito, porquanto Deus, que é justo, não lhe imporia um sofrimento sem utilidade.

         Quanto ao meio empregado para a sua cura, evidentemente aquela espécie de lama feita de saliva e terra nenhuma virtude podia encerrar, a não ser pela ação do fluido curativo de que fora impregnada. É assim que as mais insignificantes substâncias, como a água, por exemplo, podem adquirir qualidades poderosas e efetivas, sob a ação do fluido espiritual ou magnético, ao qual elas servem de veículo, ou, se quiserem, de reservatório.


         Numerosas curas operadas por Jesus

         26. - Jesus ia por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do reino e curando todos os langores e todas as enfermidades no meio do povo. - Tendo-se a sua reputação espalhado por toda a Síria; traziam-lhe os que estavam doentes e afligidos por dores e males diversos, os possessos, os lunáticos, os paralíticos e ele a todos curava. - Acompanhava-o grande multidão de povo da Galiléia, de Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e de além Jordão. (S. Mateus, cap. IV, vv. 23, 24, 25.)


         27. - De todos os fatos que dão testemunho do poder de Jesus, os mais numerosos são, não há contestar, as curas. Queria ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o daquele que faz o bem; que o seu objetivo era ser útil e não satisfazer à curiosidade dos indiferentes, por meio de coisas extraordinárias.

         Aliviando os sofrimentos, prendia a si as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e sinceros, do que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os olhos. Daquele modo, fazia-se amado, ao passo que se se limitasse a produzir surpreendentes fatos materiais, conforme os fariseus reclamavam, a maioria das pessoas não teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil, que os desocupados iriam apreciar para se distraírem.

         Assim, quando João Batista manda, por seus discípulos, perguntar-lhe se ele era o Cristo, a sua resposta não foi: «Eu o sou», como qualquer impostor houvera podido dizer. Tampouco lhes fala de prodígios, nem de coisas maravilhosas; responde-lhes simplesmente: «Ide dizer a João: os cegos vêem, os doentes são curados, os surdos ouvem, o Evangelho é anunciado aos pobres.»

         O mesmo era que dizer: «Reconhecei-me pelas minhas obras; julgai da árvore pelo fruto», porquanto era esse o verdadeiro caráter da sua missão divina.


         28. - O Espiritismo, igualmente, pelo bem que faz é que prova a sua missão providencial. Ele cura os males físicos, mas cura, sobretudo, as doenças morais e são esses os maiores prodígios que lhe atestam a procedência. Seus mais sinceros adeptos não são os que se sentem tocados pela observação de fenômenos extraordinários, mas os que dele recebem a consolação para suas almas; os a quem liberta das torturas da dúvida; aqueles a quem levantou o ânimo na aflição, que hauriram forças na certeza, que lhes trouxe, acerca do futuro, no conhecimento do seu ser espiritual e de seus destinos. Esses os de fé inabalável, porque sentem e compreendem.

         Os que no Espiritismo unicamente procuram efeitos materiais, não lhe podem compreender a força moral. Daí vem que os incrédulos, que apenas o conhecem através de fenômenos cuja causa primária não admitem, consideram os espírita". meros prestidigitadores e charlatães. Não será, pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará da incredulidade será pela multiplicação dos seus benefícios morais, porquanto, se é certo que os incrédulos não admitem os prodígios, não menos certo é que conhecem, como toda gente, o sofrimento e as aflições e ninguém recusa alívio e consolação.