Pílulas


         Vinham de várias fontes, impressas em retalhos de papel, veiculando temas espíritas. Eram as famosas mensagens.

         Heloísa costumava oferecê-las aos doentes de um leprosário que visitava mensalmente.

         Guardava, porém, suas dúvidas. Haveria proveito real desse trabalho? Alguma repercussão naqueles infelizes, segregados da sociedade?

         Pensava nisso particularmente quando as oferecia a um doente relativamente jovem, mas já marcado dolorosamente pela hanseníase: nariz deformado, dedos atrofiados e extensas lesões na pele.

         Não era de conversar. Pouco sabia dele, além do fato de estar praticamente abandonado pela família, o que não era novidade. Costumava acontecer com grande parte das vítimas do terrível mal.

         Distinguia-o o uso permanente de um chapéu de feltro, com abas largas curiosamente dobradas para baixo, como se tentasse esconder parte de sua ruína física. Habituou-se a identificá-lo como o “moço do chapéu”.

         Ele recebia as mensagens e, invariavelmente, colocava-as no bolso do pijama, limitando-se a dizer:

         - Obrigada. Lerei depois...

         “Lerá mesmo?” – perguntava-se a visitante. Acreditava que não, mas continuava a entregar-lhe as papeletas, repetindo-se o gesto e a promessa:

         - Lerei depois...

         Passou o tempo. Heloísa, chamada a outros afazeres, deixou de ir ao hospital. Perdeu o contato com o “moço do chapéu”.

         No desdobrar dos anos continuou envolvida na distribuição de mensagens, em outros setores, mas sempre com suas dúvidas.

         Certa feita participava de uma reunião espírita quando, pela vidência mediúnica, apresentou-se um espírito de aparência jovem e sorridente, que lhe perguntou:

         - Lembra-se de mim?

         Não lhe era estranho. Conhecia-o sim, mas de onde?

         O visitante pôs um estranho chapéu, de abas largas dobradas para baixo...

         - Ah! O “moço do chapéu”!...

         - Sem hanseníase e sem tristezas! Limpo e feliz! Agradeço a Deus pela oportunidade de meu resgate e à senhora pelas mensagens. Eu as lia constantemente. Foram abençoadas pílulas de estímulo e consolo. Aprendi muito com elas!

         Desde então Heloísa deixou de questionar a validade daquele trabalho, desenvolvendo-o com redobrada disposição.