Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita
Biografia escrita por Henri Sausse (Subsídio)


         Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas girantes, a princípio do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relações, em razão dos seus estudos sobre o Magnetismo, O Sr. Fortier lhe disse um dia: “Eis aqui uma coisa que é bem mais extraordinária: não somente se faz girar uma mesa, magnetizando-a, mas também se pode fazê-la falar. Interroga-se, e ela responde.”
         - Isso, replicou o Sr. Rivail, é uma outra questão; eu acreditarei quando vir e quando me tiverem provado que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e que se pode tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não veja nisso senão uma fábula para provocar o sono.
         Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos muitas vezes, não negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar sempre no estudo tão atraente das manifestações do Além. (...) de 1854 a 1856, um novo horizonte se rasga para esse pensador profundo, para esse sagaz observador. (...) Eis aqui como Allan Kardec nos revela as suas dúvidas, as suas hesitações e também a sua primeira iniciação:
         “Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inexplicado, contrário, na aparência, às leis da Natureza e que minha razão repelia. Nada tinha ainda visto nem observado; as experiências feitas em presença de pessoas honradas e dignas de fé me firmavam na possibilidade do efeito puramente material; mas a ideia, de uma mesa falante, não me entrava ainda no cérebro. “No ano seguinte - era no começo de 1855 - encontrei o Sr. Carlotti, um amigo de há vinte e cinco anos, que discorreu acerca desses fenômenos durante mais de uma hora, com o entusiasmo que ele punha em todas as ideias novas. (...) Ele foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencerem, aumentaram as minhas dúvidas. - Você um dia será dos nossos — disse-me ele. — Não digo que não, respondi-lhe eu —; veremos isso mais tarde.
         - “Dai a algum tempo, pelo mês de maio de 1855, estive, em casa da sonâmbula Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que me falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr. Carlotti, mas noutro tom. O Sr. Pâtier era funcionário público, de certa idade, homem muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu-me viva impressão, e, quando ele me convidou para assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, rua Grange-Bateliêre nº 18, aceitei com solicitude. A entrevista foi marcada para a terça-feira (*) de maio, às 8 horas da noite. “Foi aí, pela primeira vez, que testemunhei o fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em condições tais que a dúvida não era possível.
         “Aí vi também alguns ensaios muito imperfeitos de escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que devia ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério e como que a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.
         “A ocasião se me ofereceu e pude observar mais atentamente do que tinha podido fazer. Em um dos serões da Sra. Plainemaison, fiz conhecimento com a família Baudin, que morava então à rua Rochechouart. O Sr. Baudin fez-me oferecimento no sentido de assistir às sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e às quais eu fui, desde esse momento, muito assíduo.
         “Foi ai que fiz os meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos ainda por efeito de revelações que por observação. Apliquei a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da experimentação; nunca formulei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as consequências; dos efeitos procurava remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão. (...) Compreendi, desde o princípio, a gravidade da exploração que ia empreender. Entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução do que havia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas ideias e nas crenças (...).”
         “Um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os Espíritos, não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o começo, evitou-me o grave escolho de crer na sua infalibilidade e preservou-me de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só ou de alguns.
         “Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível; era já um ponto capital, um imenso campo franqueado às nossas explorações, a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo, observei que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, desvendava-me uma fase desse mundo, exatamente como se chega a conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as classes e condições, podendo cada qual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar-nos tudo. (...) Eu, pois, agi com os Espíritos como o teria feito com os homens: eles foram, para mim, desde o menor até o mais elevado, meios de colher informações e não reveladores predestinados.”
         (...) Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedeman-Manthêse, Sardou, pai e filho, e Didier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinquenta cadernos de comunicações diversas, que não conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos —, os arranjasse. Este trabalho era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações (...). Uma noite, seu Espírito protetor, Z., deu-lhe, por um médium, uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos Druídas, viviam juntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe havia votado só fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facilme te levaria a termo.
         O Sr. Rivail, pois, lançou-se à obra: tomou os cadernos, anotou-os com cuidado. Após atenta leitura, suprimiu as repetições e pôs na respectiva ordem cada ditado, cada relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.
         “Até então, diz ele próprio, as sessões em casa do Sr. Baudin não tinham nenhum fim determinado; propus-me, aí, fazer resolver os problemas que me interessavam sob o ponto de vista da filosofia, da psicologia e da natureza do mundo invisível. Comparecia a cada sessão com uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas: eram respondidas com precisão, profundeza e de modo lógico. (...)A princípio eu não tinha em vista senão a minha própria instrução; mais tarde, quando vi que tudo aquilo formava um conjunto e tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar, para instrução de todos. Foram essas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Es¬píritos.”(...) “Não me contentei com essa verificação, diz ainda Allan Kardec, que os Espíritos me haviam recomendado. Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outros médiuns, toda vez que se oferecia ocasião, eu a aproveitava para propor algumas das questões que me pareciam mais melindrosas.
         Foi assim que mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse trabalho. E foi da comparação e da fusão de todas essas respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no silêncio da meditação, que formei a primeira edição de O Livro dos Espíritos, a qual apareceu em 18 de abril de 1857.” (...)
         No momento de publicá-lo, o autor ficou muito embaraçado em resolver como o assinaria, se com o seu nome - Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, ou com um pseudônimo. Sendo o seu nome muito conhecido do mundo científico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar uma confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome de Allan Kardec que, segundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dos Druidas. A obra alcançou tal êxito que a primeira edição foi logo esgotada. Allan Kardec reeditou-a em 1858 (*) sob a forma atual in-12, revista, correta e consideravelmente aumentada. (...) (*). A 2ª edição foi impressa em 1860, e não 1858. - Nota da Editora (FEB).

O Livro dos Espíritos
Primeira edição 18 de abril de 1857, 501 questões. Segunda edição 1860, 1019 questões

         Introdução: 17 itens, síntese da Doutrina quanto aos seus princípios básicos; aspectos mais relevantes acerca dos fenômenos que marcaram o seu surgimento, e uma apreciação crítica das opiniões dos seus contraditores.
         Prolegômenos: exposição preliminar da ciência, os Espíritos dão aconhecer como foi revelada a Doutrina, a autoria e finalidade do livro, assinado pelos Espíirtos que colaboraram e contém trechos de mensagens sobre a missão de escrever o livro.
         O corpo da obra: dividido em 4 partes... a divisão não foi feita de modo arbitrário, denota correpondência lógica, sequência de pensamento. As matérias aí contidas, distribuídas em ordem metodológica, partem das questões mais gerais para as especiais (raciocínio dedutivo) e, de igual modo, começam por especulações na ordem transcendental, indo até aos problemas práticos, próprios da natureza humana.
         Conclusão: 9 itens. O Codificador mostra as consequências futuras dos atos da nossa vida presente e retoma os conceitos básicos da Doutrina Espírita, dá harmonioso arremate à obra.



         

[Dinâmicas]    |    [Imprimir]