Como espíritos imortais que somos, com uma vasta bagagem milenar, passando por várias encarnações, porque não nos lembramos das existências anteriores?
Deus, com bondade e sabedoria, nos poupa das lembranças de outras vidas, porque elas poderiam nos causar maiores dificuldades.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, afirma que: “Ao entrar na vida corporal, o Espírito perde, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse (…)” 1.
Há duas razões para que, ao reencarnar, o espírito esqueça de suas vivências anteriores:
1) De ordem moral e filosófica: se lembrássemos de nossas existências anteriores, os nossos atos insensatos (maus) estariam presentes em nosso consciente, dificultando nosso progresso e a própria reencarnação. Poderiam, por exemplo, em certos casos, humilhar-nos aos olhos de todos que nos reconheceriam; ou exaltar nosso orgulho, perturbando as relações sociais, e fazendo reacender ódios e paixões, dificultando nosso livre arbítrio.
2) De ordem científica: o cérebro físico se decompõe com a morte biológica, perdendo as informações. Na formação do novo corpo, um novo cérebro é formado, portanto sem a memória das encarnações passadas. O conteúdo das existências corporais anteriores fica armazenado no perispírito (corpo semi-fluídico intermediário entre o corpo físico e o espírito). Quando há lembranças nos “insights”, “déja-vu”, ou em terapias regressivas a vivências passadas é acionada a memória espiritual, que nunca é perdida.
Kardec questiona: “Como pode o homem ser responsável por atos e resgatar faltas de que não se lembra? Como pode aproveitar da experiência de vidas de que se esqueceu?” E recebe como resposta: “Em cada nova existência, o homem dispõe de mais inteligência e melhor pode distinguir o bem do mal” 2.
Completando o raciocínio da espiritualidade, o Codificador assim termina o comentário à questão: “Se não temos, durante a vida corporal, uma lembrança precisa do que fomos e do que fizemos de bem ou de mal em existências anteriores, temos a intuição disso, e nossas tendências instintivas são uma lembrança do nosso passado, às quais nossa consciência, que é o desejo que concebemos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir”.
O esquecimento do passado ocorre somente a nível físico. Ao retornar à pátria espiritual, readquire o espírito a lembrança do passado, porque é sobretudo na vida espiritual que o espírito tem condições de avaliar sua própria vida física e se questionar sobre os equívocos cometidos.
Há ainda, enraizada em muitos, a crença das penas eternas, onde Deus “castigaria” eternamente aqueles que errarem. Todavia, Jesus veio transmitir a verdade de Deus e nos ensinou que devíamos perdoar não sete vezes mas setenta vezes sete, então, porque Deus não teria condições de perdoar aqueles que erram por imperfeição, durante o processo evolutivo? A nova encarnação, podemos dizer, é o perdão incondicional de Deus dando-nos nova oportunidade de recomeçar, em busca da tão almejada felicidade.
O que realmente é importante não é a lembrança do passado, e sim a importância que dermos ao presente, porque o futuro é o resultado do que fizermos do nosso presente, pois somos herdeiros de nós mesmos.
Pricila Lehn
1KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo. Petit Editora, 1999. Comentário à questão 399.
2Idem. Questão 393.
Referência:
LIMA, Inácio Lacerda. Esquecimento do Passado. Reformador. Rio de Janeiro, FEB, ano 121, n. 2095, out. 2003.