Quando se faz a pergunta acima, admite-se a possibilidade da comunicação entre “vivos” e “mortos”: “- Afinal, se a vida continua além-túmulo, porque os nossos entes queridos não poderiam manifestar seus pensamentos para os que aqui ficaram, quando atendidas algumas condições?”
É lógico que essa possibilidade existe e ela realmente ocorre inúmeras vezes – todos que se dizem espiritualistas, que aceitam algo além da matéria, necessariamente devem admiti-la.
Mas, isso é permitido?
Aqueles que alegam que isso é proibido por Deus se utilizam da lei mosaica, encontrada no Antigo Testamento, particularmente no Levítico (cap. XIX, v. 31) e Deuteronômio (cap. XVIII, vv. 9 a 12).
Temos que entender que há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus, propriamente dita, atemporal, promulgada sobre o Monte Sinai, conhecida como os Dez Mandamentos; e a lei civil, disciplinar e temporária, apropriada aos costumes e caráter de um povo ainda rude, vicioso e indisciplinado. A primeira é invariável, a segunda muda de acordo com a evolução da humanidade.
A proibição de Moisés de evocar os mortos fazia parte das leis humanas e transitórias e tinha uma real justificativa: a consulta aos mortos feita naqueles tempos não era baseada nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, eram antes recursos de adivinhações, superstições, explorações e charlatanismos.
As pessoas naquela época utilizavam a mediunidade (termo criado por Kardec em 1857) para comércio, como objeto de negócio – tal a razão de proibir a evocação de Espíritos (comprovando efetivamente que isso é possível, pois só se proíbe algo que pode acontecer). Além disso, as evocações com objetivos pouco nobres, era costume do povo do Egito, de onde os hebreus saíram, e Moisés, desejava que seu povo a caminho da “terra prometida” abandonasse este e outros antigos costumes egípcios. A proibição portanto, não era pelo uso, mas pelo abuso das consultas aos Espíritos.
Se a lei de Moisés deve ser rigorosamente observada neste ponto, como alegam alguns, deveria ser também em todos os outros. Ora, há tantos absurdos na lei mosaica para os dias de hoje que, pela lógica, entende-se que somente nos Dez Mandamentos encontram-se as regras inspiradas em nome de Deus e que ainda são válidas.
Jesus modificou profundamente a lei de Moisés, fazendo da Sua lei o código dos cristãos. A única parte confirmada da antiga lei é a do Monte Sinai, através do “amar a Deus, ao próximo e a si mesmo”. Revelou Deus como um Pai amoroso, justo e misericordioso, convidando todos à prática do amor incondicional e do perdão irrestrito, contrariando a pena de Talião e do temor a Deus da lei mosaica.
Jesus nunca aludiu em parte alguma do Evangelho a proibição de evocar os mortos, sendo este um assunto muito grave para ter sido “esquecido” pelo Mestre.
Quando utilizamos a lei mosaica para proibir a comunicação dos mortos, estamos sendo mais judeus do que cristãos. Ora, se para os cristãos Moisés foi superado por Jesus, as leis do líder hebreu não podem reger o cristianismo.
Quando os espíritas, que adotam o Mestre Jesus como modelo e guia, entram em contato com os Espíritos – almas dos que já habitaram a Terra – só o fazem para receber sábios conselhos, consolar e esclarecer os que sofrem, jamais para conseguir vantagens ilícitas. O contato com os desencarnados é um consolo para os que ficaram e para os que já partiram, dando prova da sobrevivência da alma e valiosas instruções para o bem proceder.
Todas as razões alegadas para condenarem as relações com os Espíritos não resistem a um exame mais sério. Repelir as comunicações do Além, é repudiar o meio mais poderoso de instruir-se pela iniciação da vida futura e pelos exemplos que tais comunicações fornecem.
A mediunidade com característica caritativa, sob sério e aprofundado estudo, sob o controle dos bons Espíritos e em ambiente apropriado só pode trazer enormes benefícios à humanidade, libertando-a da ignorância e do jugo daqueles que querem manter os outros sob o domínio do medo.
Luis Roberto Scholl
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. RJ: FEB, 2005. I parte, capítulo XI.