Grande parte da humanidade terrena vive mais preocupada em satisfazer os sentidos físicos, as sensações e os prazeres imediatos, deixando sempre para depois o despertamento espiritual e, por isso, tem experimentado aflições e dramas cada vez mais complexos. A felicidade ainda se apresenta distante porque o ser humano, vivendo cada vez mais apegado às coisas transitórias, tem negligenciado a construção do Reino dos Céus1 (Mt. 6, 33), que não está longe, num plano distante, mas está dentro de cada um.
Léon Denis2 ensina que há na alma humana “duas esferas de ação e expressão. Uma delas, circunscrita a outra, manifesta o “eu” com suas paixões, suas fraquezas, sua mobilidade, sua insuficiência. (…) A outra, interna, profunda, imutável, é, ao mesmo tempo, a sede da consciência, a fonte da vida espiritual, o templo de Deus em nós”.
Cada espírito, quando criado por Deus, recebe como herança as leis divinas gravadas na consciência e em germe todas as virtudes que precisam ser desenvolvidas. Centelha divina, essa, que precisa ser trabalhada, cultivada como um campo, a fim de vencer os instintos em proveito dos sentimentos, conforme refere o Espírito Lázaro3.
Para esse despertar espiritual, a Doutrina Espírita proporciona um conjunto de recursos muito significativos para auxiliar no conhecimento das leis que regem a vida e no entendimento do verdadeiro sentido da existência, oferecendo a todo aquele que se dispõe a estudá-la de forma sistemática, disciplinada e até diária, melhores condições para avaliar, planejar e elaborar as ações novas em bases mais duradouras.
A partir de um diagnóstico, honesto e sincero, podem ser identificadas as imperfeições que tardam no campo íntimo. Pelos pensamentos, reações e sentimentos gerados diante das mais variadas circunstâncias, principalmente diante dos desafios e das contrariedades, é possível ter uma idéia de como está essa centelha divina. Se sufocada pela revolta, pela queixa sistemática, pelo orgulho, pelo egoísmo, pela ausência do perdão ou se as verdades eternas já começam a dar sinais de despertamento.
Conhecidas as fragilidades, é necessário dominá-las, deixando de envolver-se em ações infelizes, pois agindo no campo da inferioridade o “EU” ainda imperfeito é acionado e estimulado. Essa mudança não ocorre de um dia para outro, pois as ações de hoje estão embasadas num histórico de experiências, nas múltiplas encarnações e, diante de uma situação nova, a tendência é seguir os padrões de comportamento antigos.
Pela vontade, como uma das potências da alma, pode-se modificar esse histórico, através do acréscimo de experiências positivas. Pelo autocontrole, frear os impulsos inferiores, que emergem do imo do ser, não mais permitindo que os vícios e as sensações primitivas conduzam as ações futuras. Se ainda não se consegue evitar pensamentos negativos, sentir raiva ou mágoa, através do autocontrole é possível deixar de agir movido por esses sentimentos. Se não está nas possibilidades do ser o esquecimento da ofensa, como ensina o Evangelho, renunciar à vingança está ao alcance de todos.
Evitar o mal é um passo importante, mas é necessário ir além, através do exercício do amor, conforme nos alerta o Espírito de Verdade4: “Espíritas! Amai-vos, esse o primeiro ensinamento; instruí-vos, esse o segundo”. É pela prática da caridade, amor em ação, que os conceitos e valores novos vão se consolidando. Procurando ver além do erro, da ignorância, da maledicência, oferecendo o bem como a outra face recomendada por Jesus (Mt. 5, 38 – 42), os instintos primários vão sendo disciplinados, os sentimentos vão se dulcificando e o Deus de amor interno se liberta e amplia-se.
O processo de auto-iluminação, conquistado através da meditação, do estudo dos postulados Espíritas, dasações no bem e da oração, é um trabalho longo, que exige disciplina e perseverança. Provavelmente, velhos erros se repetirão. Dúvidas e desafios, cada vez maiores terão que ser superados, mas será necessário persistir na conquista do Reino de Deus.
A oração sincera, sentida e vibrada, fará com que o Deus interno de cada um se conecte a Deus, fonte de Amor Universal, impulsionando os esforços de transformação e ajudando a criatura a vencer o seu “EU”, ainda imperfeito. Do mesmo modo que Jesus já venceu, seguindo seus ensinamentos, cada um, a seu tempo e na medida dos seus esforços, também vencerá.
Cleto Brutes
1 KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 112. ed. Rio [de Janeiro]:FEB, 1996 . cap. XXV, item 6.
2 DENIS, Leon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. 23. ed. Rio [de Janeiro]:FEB, 2000. p. 312.
3 KARDEC, op. cit. cap. XI. Item 8.
4 KARDEC, op. cit. p. 129.