Se o homem tivesse apenas uma existência e se, depois dela, sua destinação futura fosse fixada perante a eternidade, qual seria o mérito de metade da espécie humana que morre em tenra idade, para desfrutar, sem esforços, da felicidade eterna? E com que direito ficaria desobrigada e livre das condições, muitas vezes tão duras, impostas à outra metade? Tal ordem de coisas não estaria de acordo com a justiça de Deus. Pela reencarnação, a igualdade é para todos. O futuro pertence a todos sem exceção e sem favorecer a ninguém. Os que se retardam não podem culpar senão a si mesmos. O homem deve ter o mérito de seus atos, como tem de sua responsabilidade.
Além do mais, não é racional considerar a infância como um estado normal de inocência. Não se vêem crianças dotadas dos piores instintos numa idade que a educação ainda não pôde exercer sua influência? Não há algumas que parecem trazer do berço a astúcia, a falsidade, a malícia, até mesmo o instinto de roubo e de homicídio, apesar dos bons exemplos que lhe são dados de todos os lados? A lei civil as absolve de seus delitos, porque considera que agem sem discernimento. E tem razão, porque, de fato, agem mais instintivamente do que pela própria vontade. Porém, de onde podem se originar esses instintos tão diferentes em crianças da mesma idade, educadas nas mesmas condições e submetidas às mesmas influências? De onde vem essa perversidade precoce, senão da inferioridade do Espírito, uma vez que a educação em nada contribuiu para isso? As que são dadas a vícios, é porque seu Espírito progrediu menos e, portanto, sofrem as conseqüências, não por seus atos de infância, mas por aqueles de suas existências anteriores. E é desse modo que a lei é igual para todos, e a justiça de Deus a todos alcança.
Comentário de Allan Kardec à questão 199 a de O Livro dos Espíritos.