Saber perdoar

Eram tempos difíceis. Após o governo de Getúlio Vargas, na 2ª Guerra Mundial, assumir posição junto aos aliados, começaram em alguns lugares do Brasil perseguições aos alemães residentes no país e a alguns brasileiros de origem germânica, considerados como intrusos ou inimigos.

Helmuth sempre fora um batalhador, respeitado na pequena comunidade do interior do Rio Grande do Sul pelas suas habilidades manuais e sua presteza. Adorava o serviço de ferreiro, profissão que lhe dava o seu sustento e de sua família, composta da esposa e duas filhas pequenas.

A explosão da guerra na Europa exacerbou o ódio entre conterrâneos de origens diferentes. O delegado do pequeno distrito, aproveitando-se da turbulência causada pelo conflito, externou seu autoritarismo frente a pessoas que não gostava, utilizando as prerrogativas da segurança nacional para prender e maltratar supostos nazistas como espiões do governo alemão.

Entre eles encontrava-se Helmuth, filho de alemães, homem de idéias firmes, mas longe de ser simpatizante do regime totalitário alemão ou de seus líderes.

Helmuth passou longo tempo na prisão sofrendo torturas atrozes e humilhações, enquanto sua família passava por necessidades para sobreviver sem a presença do pai. Depois desse período, ele foi solto por falta de provas, mas já não era mais o mesmo homem. Sentia-se enfraquecido, doente e com poucos recursos para recomeçar a vida. Mesmo assim, não perdeu a vontade de viver e trabalhar.

Após alguns anos, com a família reestruturada e fortalecida, morando em outra localidade, Helmuth ouviu notícias sobre o delegado, seu antigo algoz, que passava por sérias dificuldades de saúde, abandonado pela família e amigos, em um leito de um pequeno hospital, somente esperando a morte.

O passado veio à sua mente: as injustiças, a barbárie, as torturas, o desprezo que ele e sua família passaram. A pretexto de fazer negócios foi até a vila próxima para rever seu inimigo. Sua mente estava em conflito, não sabia em que pensar. Ao ver aquele outrora poderoso homem da lei jogado em uma cama, coberto de ulcerações, parecendo um farrapo humano, apiedou-se. A raiva que sentia por aquela figura se esvaiu ao perceber o quanto aschagas da alma haviam se transformado em chagas no corpo. Resolveu acolhê-lo em sua casa para melhor cuidá-lo.

Sua esposa e filhas ao vê-lo chegar com o moribundo, e de quem se tratava, horrorizaram-se. Não acreditavam no que o pai pretendia fazer. Não queriam aceitar em sua casa o tirano que quase destruíra a família.

Mas aquele homem, que nem se dizia religioso, que tinha tudo para querer se vingar, convenceu-as de que o melhor remédio para o ódio é o amor.

Cuidou durante muitas semanas pessoalmente das feridas abertas do enfermo até que ele veio a desencarnar mais serenamente, sem saber quem era o seu benfeitor.

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            Existe amor maior do que amar o inimigo que o prejudicou?

As lições desses fatos ficaram marcadas na história, não dos livros, mas na história das pessoas envolvidas. Uma das filhas comenta até hoje o exemplo do verdadeiro cristão que seu pai lhe deixou e agora, à luz da Doutrina Espírita, compreende claramente a Lei de Causa e Efeito, em que não existe injustiça e nada acontece por acaso. Helmuth, seu pai, em uma reencarnação de sofrimentos, resgatou erros de um passado longínquo e, através do perdão incondicional, adquiriu créditos para a sua evolução espiritual.

História inspirada em depoimento ao autor.

Luis Roberto Scholl