Palco da vida

A nossa existência terrena é como uma peça de teatro, na qual, após exaustivos ensaios e estudos nos bastidores da espiritualidade, viemos para viver, no palco da vida, a Terra , um novo personagem, com o objetivo de cumprir bem o nosso papel, atingindo metas importantes no crescimento espiritual. Cada reencarnação representa uma nova personalidade, atuando em uma outra peça, distinta em vários pontos da antiga, mas sendo sempre o mesmo ator (Espírito).

Encontramos no pensamento de Torres Pastorino1 uma boa maneira de demonstrar o processo da reencarnação:

“Um exemplo concreto (embora grosseiro porque se passa na matéria) talvez facilite a compreensão do que acontece a uma individualidade já desperta, quando em contato de direção de uma personagem.

Suponhamos o grande e saudoso Jaime Costa* que, em nosso exemplo, figurará a individualidade. Para atuar no palco, fá-lo-emos assumir, conscientemente, em três dias consecutivos, três papéis diferentes (três personagens).

Então, primeiro ‘nasce’ no palco com a figura de D. João VI. E enquanto exteriormente a representa, ele não filtra para D. João VI a consciência própria de Jaime Costa, deixando desperto e ativo apenas o consciente ‘atual’ de D. João VI, e assumindo-lhe todas as características. Com efeito, a individualidade já evoluída está consciente de si, porque, se o não fora, não poderia desempenhar satisfatoriamente seu papel. É pela longa experiência adquirida através do aprendizado vivo e real de personagens várias e numerosas vividas no palco, que o ator, (individualidade) adquiriu a técnica (arte) da representação, atingindo evolução plena (ator ‘perfeito’). O mesmo se dá na individualidade em relação à personagem encarnada. Então, o consciente de Jaime Costa se transforma no consciente ‘atual’ de D. João VI, abafando, para não atrapalhar a personagem, o seu próprio consciente ‘profundo’ de Jaime Costa. Mas acontece que, ao terminar a representação, ‘morre’ no palco D. João VI, e então Jaime Costa reassume plenamente seu consciente profundo, levando mais uma experiência de ‘vida’ no palco, e, portanto, mais evoluído do que quando a começou.

No dia seguinte, Jaime Costa, (individualidade) novamente ‘nasce’ no palco como D. Pedro I, e os mesmos fenômenos ocorrem: seu consciente ‘profundo’ de Jaime Costa é abafado pela personagem de que se reveste, chegando a esquecer-se de que ele existe, no meio das circunstâncias e do ambiente que o cerca, e só ficando desperto o consciente ‘atual’ de D. Pedro I, com suas características vibráteis e agitadas. Aproveitemos, para focalizar um exemplo de karma: nesse papel, ou nessa personagem, D. Pedro I tropeça e cai, torcendo um pé. Quem caiu foi D. Pedro I, a personagem. Mas quem sofre realmente a dor é a individualidade Jaime Costa que, ao ‘morrer’ no palco D. Pedro I, sai mancando.

No outro dia, ocorre que Jaime Costa ‘nasce’ de novo no palco com o nome de D. Pedro II. O consciente profundo do ator é ainda ‘abafado’ pela personagem criada, só ficando desperto o consciente ‘atual’ de D. Pedro II, que entra no palco mancando. A personagem D. Pedro II nada sabe do tombo da personagem D. Pedro I; mas a individualidade Jaime Costa, que foi a mesma em ambos os casos, SABE que caiu no papel de Pedro I, e portanto aceita o defeito que surge em D. Pedro II, como efeito de causa passada. E no papel de D. Pedro II continua mancando, e talvez quando se libertar dessa personagem Jaime Costa não tenha conseguido curar-se da dor, e levará consigo o pé torcido, que o fará sofrer até a cura final (resgate total do karma).

Verificamos, então, que a personagem e a individualidade são UM SER SÓ, embora consciente em dois planos diferentes, pois Jaime Costa, nos papéis que desempenha, conserva sua consciência profunda, ainda que as personagens representadas NÃO POSSAM nem tomar conhecimento da existência do ator, pois isso estragaria a representação.”

Mesmo deficiente e imperfeito, este exemplo nos leva a profundas reflexões sobre as nossas responsabilidades durante uma reencarnação. Dessa forma, é fundamental compreender que a nossa obra (atuação) deve ser séria e moralizadora, porque é a única que tem peso na balança do Criador.

“É preciso que cada um dê à sociedade ao menos o que dela recebe. Aquele que, tendo recebido assistência corporal e espiritual, que lhe permite viver, se vai, sem ao menos restituir o que gastou, é um ladrão, porque desperdiçou uma parte capital inteligente e nada produziu”.2

Esta afirmativa de Eugene Sue se encontra na Revista Espírita e serve de alerta a toda a criatura que durante a reencarnação canaliza suas vontades e energias para futilidades e interesses mesquinhos, desperdiçando esta valiosa oportunidade de evolução que deveria ser para a produção de bons frutos e retribuir à vida o que ela lhe dá, pois no mau uso do tempo e dos talentos em coisas inúteis e no cultivo de interesses egoísticos estão os maiores equívocos do ser humano.

Afirma ainda o Espírito: “Nem todo mundo pode ser homem de gênio, mas todos podem e devem ser honestos, bons cidadãos e devolver à sociedade o que a sociedade lhes emprestou. Para que o mundo esteja em progresso é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade (…)” (grifos nossos).

Luis Roberto Scholl
1PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do Evangelho. Vol. IV – Rio de Janeiro: Sabedoria, 1964.
2KARDEC, Allan. A Revista Espírita – Volume X Ano 1867. Rio de Janeiro: FEB, 2005. p.137.
* Jaime Costa (Rio de Janeiro, 1897/1967), utilizado apenas como exemplo por Pastorino, foi um dos mais importantes atores de teatro do Brasil, também de cinema e de televisão.