Cobrar de Deus

O marido a havia abandonado. Apaixonou-se por outra mulher mais jovem e a deixou com duas crianças para criar e um bocado de contas para pagar. Ela estava em desespero, não tinha a quem recorrer. Em desequilíbrio, descontava na filha mais velha, de 8 anos, todas as agruras da vida. Diariamente a maltratava, cobrando colaboração e atitudes ainda não condizentes a uma criança.

Na escola isso refletiu imediatamente: de uma aluna alegre e participativa, a menina se transformou em rebelde e desleixada. A mãe foi chamada pelos orientadores para discutir o que estava havendo com a filha. Envergonhada, não contou o que se sucedia em sua casa e o que o seu marido havia feito. Na saída, sentiu uma forte intuição para procurar o guarda da escola e expor os seus problemas. Nunca havia prestado atenção no policial e, sem perceber, estava na frente daquele desconhecido, abrindo o seu coração, contando suas dores.

Seu Feliciano, senhor na madureza da idade, conhecedor dos descaminhos da vida, espírita convicto, ouviu aquela história com respeito e piedade. Com muito carinho, disse àquela mãe que ela estava prejudicando enormemente sua felicidade e a de sua filha, exigindo coisas que a menina ainda não poderia fazer. Respeitava a sua dificuldade, mas orientou-a para, a partir de agora, não mais castigar as filhas e sim abraçá-las, dizendo a ambas que as ama e que procurariam ser felizes.

– E faça mais – disse seu Feliciano. Ore com elas todas as noites antes de dormir, agradecendo a Deus pela vida e depois, em silêncio, cobre de Deus!

– Cobrar de Deus? Como assim? – espantou-se a jovem.

– Sim, cobre de Deus. Diga a Ele: Pai, estou aqui, com estes dois presente que me deste. Estou procurando fazer a minha parte, educando-as, amando-as, dando conforto e carinho, tentando transformá-las em pessoas honestas e justas. Agora estou cobrando a Sua parte. Me ajude!

Aquela mulher saiu dali com lágrimas nos olhos, porém resignada com a situação, e com muita vontade de vencer na vida.

Quinze dias depois ela, emocionada, procura novamente seu novo amigo:

– Muito obrigada, seu Feliciano. Faz quinze dias que eu não maltrato as minhas filhas e a Adriana, a mais velha, voltou a ser alegre, me ajuda na casa, nos cuidados com a irmã mais nova e está se interessando de novo pelos estudos. A vida está novamente sendo boa para nós.

– Não tem que me agradecer. Eu só fui um instrumento da espiritualidade para lhe alertar sobre os caminhos errôneos que você estava seguindo. Agradeça a Deus sempre, por tudo, porque, mesmo que a gente não saiba, tudo tem um motivo justo para acontecer. Quando chegar o momento certo, as dificuldades passam e os tormentos terminam. A partir de agora, na sua oração, procure orar também pelo seu marido. Não deseje mal a ele nem a sua “rival”. É o pai de suas filhas e certamente está passando por momentos de perturbação e desequilíbrio, necessitando de ajuda, não de condenação. Perdoar não é só o melhor, mas o único caminhopara a felicidade.

Passado mais um mês, volta aquela, antes infeliz mãezinha, agora rejuvenescida senhora, estampando um largo sorriso no rosto, acompanhada por um tímido homem.

– Seu Feliciano, faço questão de lhe apresentar meu esposo, o João. Ele voltou. Arrependeu-se e, há alguns dias, alugou uma casa em um outro bairro esperando a vergonha passar para me pedir perdão pelo mal que nos fez. Prometeu que jamais vai nos abandonar novamente. Eu, seguindo o conselho de Jesus que o senhor me lembrou, perdoei ele e hoje somos novamente uma família feliz. Muito obrigado por me ajudar.

Feliciano, muito feliz, viu aquele casal, novamente apaixonado, se afastar para uma nova chance de recomeçar. Entendia ele que no seu simples conselho de cobrar de Deus, a jovem se comprometeria a fazer tudo que estivesse ao seu alcance para a felicidade das filhas e, Deus, justo e bondoso, faria a Sua parte. Na prática do perdão, reforçou a lembrança de que sempre se deve deixar a porta do entendimento entreaberta para aqueles que nos magoam. Na sua experiência, sabia que muitos percalços ainda viriam na vida daquela família, mas se seguissem sempre estes dois conselhos jamais entrariam novamente em desespero.

Luis Roberto Scholl